Amaury Lagartixa: O Malandro Romântico da Capoeira Angola 

05/06/2024

Barimbaus e pandeiros transam sons e tilintos harmonicamente malandros, na roda de samba, no gosto aliviante da cachaça, o corpo se movimenta como um astro, um anjo malicioso, um orixá brincante. A festa é do capoeira, é do mestre & das crianças, é da rasteira & da benção. A festa é ancestral.

Capoeira, Historiador e Músico

ENTREVISTA COM AMAURY LAGARTIXA

Ubirathan do Brasil: Caro, Amaury! Me diga, por que você existe ?

Lagartixa: Porque os ancestrais me concederam a dádiva de estar aqui, fazer parte dessa vida.

Ubirathan do Brasil: Quais as esferas sociais da capoeira?
 

Lagartixa: Os capoeiras sempre estiveram enredado, economicamente e politicamente, eram seguranças de politicos, contratados pra fazerem arruaças nas eleiçoes, roubarem urnas pra alterações. No Rio de Janeiro tinham as maltas capoeiristas, que eram os bandos que brigavam entre si, e eles dominavam aquela regiao que faziam parte, organizavam toda a questão de comercios ou qual vereador eleger. Eram contratados pra fazer algo sujo.

Na esfera social, antigamente, o capoeira, o pobre ou o negro eram marginalizados, são até nos dias de hoje. Foi através da capoeira que adquiriam respeito, mesmo que fosse na força. Ninguém gostava de mexer com o capoeira.

A capoeira hoje resgata pessoas, mesmo com a politica do nosso país escravocrata, que apaga toda uma história. Nos tempos atuais, ela estimula crianças e jovens a ganharem a vida. Estudarem, se tornarem professores, muitos estão vivendo fora do pais, levando a arte da capoeira. No meu caso, eu não sou da favela, mas vim de família humilde, meus país trabalharam muito pra me dar um mínimo de dignidade que muitos nao tiveram,. A capoeira me vez conhecer coisas que eu não imagininaria. A capoeira me fez gente, e também cursei educação física e depois história.


Ubirathan do Brasil
:  O que a capoeira te deu, nessa vasta vida esculhambada ?

Lagartixa: Ela está na minha ancestralidade, ela é minha missão. A capoeira me colocou dentro da religião (Iorubá, culto de Ifa), me colocou dentro do samba, eu tenho uma filha e a capoeira que trouxe a mãe dela pra mim. Nos conhecemos na roda de capoeira. Já conheci muitos mestres, viajei pra vários estados e também fora do nosso país.

Ubirathan do Brasil: expresse em encantadoras palavras suas influências capoeirísticas

Lagartixa: A capoeira angola tem sua árvore genealógica. O mestre do meu mestre, que é o Mestre Gato Preto, Berimbau de Ouro da Bahia, foi durante um período contra-mestre de bateria na academia do mestre Pastinha, era ele quem comandava a musicalidade. E, durante esse tempo que esteve lá, se torna aluno do Mestre Pastinha. E, vai pra São Paulo, correr seu trecho. E, lá, ensina meu mestre (Meinha) a capoeira angola. Então, a nossa decendencia é direto dessa velha Bahia, de pessoas que conviveram com o próprio Mestre Pastinha. Somos todos irmãos e tios dentro da capoeira. Eu levo o legado do Mestre Gato, pois, além do que, ele aprendeu com Pastinha, ele era outro capoeira que tinha suas convicções formadas e uma outra forma de jogar, dentre outras particularidades.

Ubirathan do Brasil: a capoeira te possuiu, o que te enfeitiçou nesse arte?

Lagartixa: Comecei capoeira em São José do Rio Preto, na década de 90. As aulas eram gratuitas na Clube Palestra. Conheci a escola Abadá Capoeira e o Professor carioca Luquinha. Logo,entrei numa busca para mergulhar na capoeira angola. O que me chamava atenção, eram aqueles senhores que faziam um jogo diferente, uma musicalidade hipnotizante. E, numa dessas minhas buscas, fui pra São Paulo,  e conheço, o Mestre Ananias, na roda da República. Pensei: o cara toca diferente, e essa galera jogando capoeira! Algo me completou naquele momento.

Aí, me apresentam o Mestre Meinha, que me ensina a capoeira angola. Nisso, deixo a capoiera contemporânea, e emerjo num estudo profundo. Nessa busca, conheço Marcelo Finco, minha primeira referencia musical. Me ensinou tudo sobre berimbau. Conheço também Mestre Marrom, que é uma grande referência da capoeira em São Paulo. E hoje, um grande influenciador, no meu modo de pensar, em meu  modo de viver, morar no sítio e trazer a capoeira pra comunidade zona rural é o Mestre Cabelo, aluno do mestre João Grande que mora em Serra Grande, e tem um trabalho luminoso.


Ubirathan do BrasilMestre Pastinha é um tipo de Jesus Cristo ? 

Lagartixa: Não é um Jesus Cristo. Mestre Pastinha foi um divisor de águas. Ele era uma pessoa baixinha, filho de comerciante espanhol com uma baiana, aprendeu capoeira com um africano que se chamava Benedito. Pastinha apanhava nas ruas. E teve oportunidade de estudar, foi pro exército. Depois ele trouxe pra sociedade, tudo que ele aprendeu nessa cultura dos negro brasileiro: a capoeira, o samba, todos os valores.

Mestre Pastinha é um dos primeiros grandes poetas do brasil, publicou livro e tudo mais. Influenciou intelectuais como Jorge Amado, Caribé, Pierre Verger. Essas pessoas são reconhecidas mundialmente e frequentavam a casa dele, aprendiam com o Mestre Pastinha. Além, de influenciar todo um turismo que vinha pra Bahia pra ver capoeira, chegamos navios e navios para contemplar a capoeira. E, o que é mais triste, no final de sua vida, ele morreu á míngua, tomando um golpe da Prefeitura de Salvador, que ainda tirou o espaço dele. Logo, ele vai prum asilo, lá ele falece, e mandam um caixão de indigente pra ele. Sua última mulher, Romélia, fica sabendo de tal desmerecimento, e compra um caixão para o gigante Mestre Pastinha.


Ubirathan do Brasil
: O que é vadiagem, ela é inspiradora 

Lagartixa: O termo vadiagem tem várias conotações na história do Brasil. A primeira vez que eu li sobre, estava escrito: PRESO POR VADIAGEM. Você ia ver o porque ele foi preso, o cara tava tocando um samba numa roda, ou numa capoeira. Fazendo aquela manifestação acontecer, e nesse ato, ele estava ficando bem com ele mesmo, estava feliz. Ele ia pra vadiagem com a sua melhor roupa, depois de ter trabalhado a semana toda na estiva, carregando saco, sendo pedreiro, varrendo rua. Ele ia pra capoeira, depois tinha um samba, um forró, um repente, tomava uma cachaça, comia algo e se divertia. A capoeira, e outras manifestações que vinham de matrizes africanas eram proibidas. Até 1931, se você fosse pego fazendo capoeira, você ficava de 2 á 6 meses em cana. E, se você fosse o dono da capoeira, pegava de 3 á 6 anos de pena. E, era enquadrado no artigo de vadiagem. Em 1932, o Getúlio Vargas tira do Código Penal Brasileiro. Ser vadio, é o que hoje em dia, o que é vadiagem? assim como, a malandragem, o que é ser malandro? nos olhos atuais da sociedade é sacanear, é roubar, é praticar o mal!

Pô, hoje eu vou pra vadiação, vou pra capoeira, hoje eu vou acordar feliz, colocar minha melhor roupa, vou me arrumar, fazer uma reza pra se chegar bem, tomar um banho de folhas, vou brincar e ser feliz. Isso é vadiagem.


Ubirathan do Brasil
: Centro Cultural Besouro Cordão de Ouro, APAE, sua vida na roça, nos conte com a sua bela lucidez!

Lagartixa: Besouro Cordão de Ouro, é uma responsabilidade social e um espaço cultural que tenho há 10 anos, no municipio de São José de Rio Preto. É um junção de pessoas que gostam e praticam capoeira, cada um na sua intenção, mas, a principal é a capoeira fazer bem pra vida. Lá no espaço, nós mostramos festas que estão linkadas sempre com a comunidade capoeirística e com algumas tradições da cultura afrobrasileira, como: Cosme & Damião, Sarau dos Boiadeiros, Noite dos Malandros, Sarau Viva Mestre Gato, Viva Mestre Pastinha, Rodas de Samba e Capoeira. O grande lance do Besouro é trazer a capoeira angola pro interior de São Paulo, e esses velhos griots ( Mestre Bigo, Zé Baiano, Mestre Moreno) que são a cultura afrobrasileira viva. 

Além do Centro Cultural, trabalho com educação especial na APAE, há 15 anos. Entrei como professor de capoeira, hoje sou coordenador de Educação Física, e utilizo a capoeira como veículo de educação social, e melhora na qualidade motora e psíquica na vida do atendido e do familiar. Porque o pai que vê o filho autista melhorando, ele também melhora a sua qualidade de vida. Trabalho como eco-terapeuta. A APAE está implantando a ecoturapia num sítio, onde os próprios alunos ajudam a gerar a horta, dar manutençao do jardim e tratam dos animais. Tudo isso, linkando educação especial, ancestralidade e capoeira. 


Ubirathan do BrasilVocê é babalao de IFA. E, Iorubá é uma religião Africana pouco conhecida nos tempos atuais, nesse brasilzão medonho y evangelizado!


Largartixa: Eu tive dentro de casa pessoas espirítas, católicas e do candomblé. Sempre processei tudo com calma.  Eu tenho um primo, que começou a estudar o culto africano. Ele vai pra África, fica lá por muito tempo, e se torna um babalao, atende gente no mundo inteiro. Orixá está no mundo inteiro, se o brasileiro tivesse noção disso, não teria tanto evangélico falando besteira.

Eu aprendi e processei religião com esse primo. Chegou da África abrindo as malas com os elementos e aprendizagens. Elementos como obi, búzios, uma roupa, até um próprio orixá que ele consagrava por lá e trouxe pro templo.

Hoje eu sou babalao de Ifa, um sacerdote do culto de Ifa, e processo religião para aqueles que precisam. A religião Iorubá ensina fazer o bem pro próximo e pra si mesmo, ensina a andar num caminho de ajuda, nunca se esquecendo do seu próprio eu, mesmo havendo adversidades na vida, será sempre uma pessoa vitoriosa, a vitoria não é ficar milionário, mas, sim estar bem consigo e com as pessoas a minha volta, respirar. Ifa te dá diretrizes, quando você abre o oráculo ele te dá orientações, e você tem o livre arbitrio se quer seguir ou não.


Ubirathan do Brasil: Sua vida contém doses generosas de alegria?

Lagartixa: Eu sou feliz. Porque eu faço tudo o que me faz bem: Eu processo minha religião, eu amo minha família, sou amado por eles, faço a capoeira, toco meu pandeiro e brinco com o meu barimbau. Moro no meio rural, que é algo que eu sempre quis. Talvez, meu nome começe a ser reconhecido, por esses cantos que me dediquei a estudar e aprender.

Ubirathan do Brasil: gingue pra nós uma frase escafobética triunfal pra gente refletir nesse planeta que os orixás acalentam!

Lagartixa: deixo aqui um dito do Mestre Pastinha. 

"Capoeira é mandinga, é manha, é malícia. É tudo que a boca come." 

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